PRINCETON – A cidade de Joshimath pode estar aninhada a 1800 metros acima do nível do mar nos Himalaias, mas está a afundar-se rapidamente. No início de janeiro, abriram-se grandes fendas nas construções que dividiram casas, hotéis e estradas, deixando o futuro da cidade em risco. Joshimath é uma metáfora sinistra para o Estado lamentavelmente irresponsável da Índia.
Joshimath está localizada numa zona sismicamente ativa de detritos de deslizamento de terras e sedimentos em camadas sobre um conjunto vulnerável de rochas. Esse tipo de solo afunda-se e desliza de forma natural, mas o problema agrava-se com a desflorestação. Além disso, como o rio Alaknanda (um afluente do Ganges) desgastou a extremidade a noroeste da encosta na qual se situa Joshimath, a formação não tem uma elevada capacidade de carga, como é sabido desde a década de 1930.
Na década de 1970, surgiram fendas nas estradas de Joshimath. Em 1976, um comité nomeado pelo governo de Uttar Pradesh (do qual Joshimath fazia parte) reiterou o risco de assentamento (afundamento) e aconselhou que as construções fossem realizadas apenas em áreas consideradas estáveis. Este alerta oficial foi ignorado e os ativistas locais lutaram sem sucesso para impedir as construções que não ofereciam segurança.
O problema piorou após a liberalização económica do início da década de 1990, quando o Estado endossou e apoiou uma forma de capitalismo não regulamentado, que muitas vezes se centrava em contratos de construção lucrativos e mostrava total desrespeito – até mesmo desprezo – pelo ambiente. Os problemas atuais de Joshimath começaram de forma inócua em 1993, quando Auli, uma cidade vizinha, iniciou a construção de um teleférico para uma estação de esqui. Essa foi a evasiva inicial de um programa de construção muito mais amplo.
As autoridades estatais rapidamente lançaram planos ambiciosos para barragens hidroelétricas para aproveitar a energia do escoamento dos Himalaias. A central Vishnuprayag de 400 megawatts ficou operacional em 2006 e a construção da mais controversa barragem Tapovan-Vishnugad de 520 megawatts começou no mesmo ano. Para gerar eletricidade com este projeto, teve de se construir um túnel sob a encosta Joshimath, logo abaixo da estação de esqui de Auli. Em 2009, uma máquina de perfuração de túneis perfurou um aquífero na montanha, esgotando as águas subterrâneas das quais Joshimath e outras cidades próximas dependiam. Os sedimentos, então, preencheram as lacunas deixadas pelo recuo da água, o que alguns peritos e ativistas acreditam ter contribuído para a tendência de assentamento da área.
Em junho de 2013, uma inundação desastrosa matou mais de quatro mil pessoas na área, levando a processos judiciais nos quais o Supremo Tribunal expressou sérias preocupações sobre as barragens na região que “crescem como cogumelos”. O tribunal ficou horrorizado com o facto de as autoridades não terem avaliado cientificamente “o impacto acumulativo” das barragens e as detonações, escavação de túneis, eliminação do lixo, exploração mineira e desflorestação associados. Ao abrigo de uma ordem judicial, o governo nomeou um comité de especialistas chefiado pelo notável cientista e ativista ambiental Ravi Chopra.
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O comité chefiado por Chopra concluiu que as montanhas, os rios e as comunidades dos Himalaias estavam “numa crise” exacerbada pelo aquecimento global. E disse que a abordagem de “desenvolvimento desenfreado” do governo causaria mais desflorestação e perda de biodiversidade juntamente com “atividades glaciais e paraglaciais imprevisíveis”. Advertindo que essa combinação explosiva poderia provocar catástrofes ainda maiores no futuro, o comité propôs a suspensão dos trabalhos em 23 barragens.
Quando um segundo comité apoiou as conclusões do Comité chefiado por Chopra, o governo nomeou um terceiro comité que deu luz verde para mais barragens e, em julho de 2020, as autoridades solicitaram ofertas para a variante Helang-Marwari que atravessa uma frágil zona de deslizamentos de terras perto do sopé da colina de Joshimate. A construção da variante começou dois anos depois, como parte do programa prejudicial em termos ecológicos do primeiro-ministro, Narendra Modi, para facilitar as viagens aos santuários sagrados nos Himalaias.
As catástrofes continuaram a ceifar vidas. Em fevereiro de 2021, outras cheias mataram algumas centenas de pessoas, principalmente ao redor de Tapovan-Vishnugad e do local de outra barragem. As próprias barragens foram danificadas de forma quase irreparável e os ativistas pediram ao Tribunal Superior de Uttarakhand que suspendesse a construção da barragem. O tribunal rejeitou o caso, repreendendo os requerentes e multando-os por desperdiçarem o seu tempo.
Após chuvas extraordinariamente fortes em outubro de 2021, as fendas que abriram em Joshimath atingiram um ponto crítico. Em janeiro de 2023, a ameaça de colapso de estruturas tornou grande parte da cidade inabitável. Centenas de moradores foram levados para abrigos e o governo interrompeu temporariarmente a reabilitação da barragem Tapovan-Vishnugad e a construção da variante Helang-Marwari.
No entanto, com a iminência de uma calamidade, tornou-se difícil obter informações confiáveis. As autoridades nacionais ordenaram recentemente que a Organização Indiana de Investigação Espacial não publique imagens de satélite que revelem o ritmo a que Joshimath se está a afundar e os funcionários estão atualmente proibidos de falar com os meios de comunicação social sobre o assunto.
Joshimath dificilmente será um caso único. Muitas outras cidades e estradas por toda a cordilheira dos Himalaias estão a revelar sinais semelhantes de pressão. Isso não deveria ser surpresa para ninguém. É, contudo, mais um sintoma da falta de responsabilização criminal das autoridades indianas. Há mais pontos críticos que vão surgindo à medida que as florestas vão sendo destruídas; que os lagos, pântanos e reservatórios naturais de água vão dando lugar a construções; que as áreas urbanas vão enfrentando montanhas de lixo; e que os rios vão sendo poluídos de forma quase irreversível. A educação, a saúde, o sistema judicial e os serviços urbanos trabalham principalmente para os privilegiados.
A prática de embelezar os dados, inerente à ausência de responsabilização, estende-se à gestão macroeconómica. O crescimento do PIB teve, inexplicavelmente, uma subida repentina após uma revisão de dados em 2015. Em 2018, o governo rejeitou o seu próprio estudo quando, esse mesmo estudo, revelou que a pobreza tinha aumentado. O Ministério das Finanças relata números de desemprego absurdamente irrealistas, apesar de haver uma crise laboral. O recenseamento decenal previsto para 2021 foi adiado até futura data desconhecida.
A elite da Índia, com a sua abordagem de “quem nada viu” no discurso e na política económica, apagou da memória o destino de Joshimath como sendo uma aberração da natureza. Em vez disso, sistemas de pagamento eletrónico de classe mundial e startups tecnológicas alimentaram uma narrativa global de um iminente “século indiano”. Todavia, não nos enganemos: Joshimath é um microcosmo da descarada falta de responsabilidade que corrompe a política e a sociedade indianas. Deveria ser uma verificação da realidade, não uma nota de rodapé.
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Marietje Schaake
warns that Big Tech’s outsize influence threatens democracy, suggests what Western leaders can learn from Chinese technology governance, urges governments to use public procurement to influence the trajectory of digital technology, and more.
The massive losses suffered by Hezbollah and Hamas – and the weakening of Iran’s so-called “axis of resistance” – needs to be seen in strategic terms. Put simply, it creates an opening to transform for the better not just Gaza and Lebanon but also much of the region.
thinks Israel’s decimation of Iran’s proxies in Gaza and Lebanon must be viewed in strategic terms.
PRINCETON – A cidade de Joshimath pode estar aninhada a 1800 metros acima do nível do mar nos Himalaias, mas está a afundar-se rapidamente. No início de janeiro, abriram-se grandes fendas nas construções que dividiram casas, hotéis e estradas, deixando o futuro da cidade em risco. Joshimath é uma metáfora sinistra para o Estado lamentavelmente irresponsável da Índia.
Joshimath está localizada numa zona sismicamente ativa de detritos de deslizamento de terras e sedimentos em camadas sobre um conjunto vulnerável de rochas. Esse tipo de solo afunda-se e desliza de forma natural, mas o problema agrava-se com a desflorestação. Além disso, como o rio Alaknanda (um afluente do Ganges) desgastou a extremidade a noroeste da encosta na qual se situa Joshimath, a formação não tem uma elevada capacidade de carga, como é sabido desde a década de 1930.
Na década de 1970, surgiram fendas nas estradas de Joshimath. Em 1976, um comité nomeado pelo governo de Uttar Pradesh (do qual Joshimath fazia parte) reiterou o risco de assentamento (afundamento) e aconselhou que as construções fossem realizadas apenas em áreas consideradas estáveis. Este alerta oficial foi ignorado e os ativistas locais lutaram sem sucesso para impedir as construções que não ofereciam segurança.
O problema piorou após a liberalização económica do início da década de 1990, quando o Estado endossou e apoiou uma forma de capitalismo não regulamentado, que muitas vezes se centrava em contratos de construção lucrativos e mostrava total desrespeito – até mesmo desprezo – pelo ambiente. Os problemas atuais de Joshimath começaram de forma inócua em 1993, quando Auli, uma cidade vizinha, iniciou a construção de um teleférico para uma estação de esqui. Essa foi a evasiva inicial de um programa de construção muito mais amplo.
As autoridades estatais rapidamente lançaram planos ambiciosos para barragens hidroelétricas para aproveitar a energia do escoamento dos Himalaias. A central Vishnuprayag de 400 megawatts ficou operacional em 2006 e a construção da mais controversa barragem Tapovan-Vishnugad de 520 megawatts começou no mesmo ano. Para gerar eletricidade com este projeto, teve de se construir um túnel sob a encosta Joshimath, logo abaixo da estação de esqui de Auli. Em 2009, uma máquina de perfuração de túneis perfurou um aquífero na montanha, esgotando as águas subterrâneas das quais Joshimath e outras cidades próximas dependiam. Os sedimentos, então, preencheram as lacunas deixadas pelo recuo da água, o que alguns peritos e ativistas acreditam ter contribuído para a tendência de assentamento da área.
Em junho de 2013, uma inundação desastrosa matou mais de quatro mil pessoas na área, levando a processos judiciais nos quais o Supremo Tribunal expressou sérias preocupações sobre as barragens na região que “crescem como cogumelos”. O tribunal ficou horrorizado com o facto de as autoridades não terem avaliado cientificamente “o impacto acumulativo” das barragens e as detonações, escavação de túneis, eliminação do lixo, exploração mineira e desflorestação associados. Ao abrigo de uma ordem judicial, o governo nomeou um comité de especialistas chefiado pelo notável cientista e ativista ambiental Ravi Chopra.
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Quando um segundo comité apoiou as conclusões do Comité chefiado por Chopra, o governo nomeou um terceiro comité que deu luz verde para mais barragens e, em julho de 2020, as autoridades solicitaram ofertas para a variante Helang-Marwari que atravessa uma frágil zona de deslizamentos de terras perto do sopé da colina de Joshimate. A construção da variante começou dois anos depois, como parte do programa prejudicial em termos ecológicos do primeiro-ministro, Narendra Modi, para facilitar as viagens aos santuários sagrados nos Himalaias.
As catástrofes continuaram a ceifar vidas. Em fevereiro de 2021, outras cheias mataram algumas centenas de pessoas, principalmente ao redor de Tapovan-Vishnugad e do local de outra barragem. As próprias barragens foram danificadas de forma quase irreparável e os ativistas pediram ao Tribunal Superior de Uttarakhand que suspendesse a construção da barragem. O tribunal rejeitou o caso, repreendendo os requerentes e multando-os por desperdiçarem o seu tempo.
Após chuvas extraordinariamente fortes em outubro de 2021, as fendas que abriram em Joshimath atingiram um ponto crítico. Em janeiro de 2023, a ameaça de colapso de estruturas tornou grande parte da cidade inabitável. Centenas de moradores foram levados para abrigos e o governo interrompeu temporariarmente a reabilitação da barragem Tapovan-Vishnugad e a construção da variante Helang-Marwari.
No entanto, com a iminência de uma calamidade, tornou-se difícil obter informações confiáveis. As autoridades nacionais ordenaram recentemente que a Organização Indiana de Investigação Espacial não publique imagens de satélite que revelem o ritmo a que Joshimath se está a afundar e os funcionários estão atualmente proibidos de falar com os meios de comunicação social sobre o assunto.
Joshimath dificilmente será um caso único. Muitas outras cidades e estradas por toda a cordilheira dos Himalaias estão a revelar sinais semelhantes de pressão. Isso não deveria ser surpresa para ninguém. É, contudo, mais um sintoma da falta de responsabilização criminal das autoridades indianas. Há mais pontos críticos que vão surgindo à medida que as florestas vão sendo destruídas; que os lagos, pântanos e reservatórios naturais de água vão dando lugar a construções; que as áreas urbanas vão enfrentando montanhas de lixo; e que os rios vão sendo poluídos de forma quase irreversível. A educação, a saúde, o sistema judicial e os serviços urbanos trabalham principalmente para os privilegiados.
A prática de embelezar os dados, inerente à ausência de responsabilização, estende-se à gestão macroeconómica. O crescimento do PIB teve, inexplicavelmente, uma subida repentina após uma revisão de dados em 2015. Em 2018, o governo rejeitou o seu próprio estudo quando, esse mesmo estudo, revelou que a pobreza tinha aumentado. O Ministério das Finanças relata números de desemprego absurdamente irrealistas, apesar de haver uma crise laboral. O recenseamento decenal previsto para 2021 foi adiado até futura data desconhecida.
A elite da Índia, com a sua abordagem de “quem nada viu” no discurso e na política económica, apagou da memória o destino de Joshimath como sendo uma aberração da natureza. Em vez disso, sistemas de pagamento eletrónico de classe mundial e startups tecnológicas alimentaram uma narrativa global de um iminente “século indiano”. Todavia, não nos enganemos: Joshimath é um microcosmo da descarada falta de responsabilidade que corrompe a política e a sociedade indianas. Deveria ser uma verificação da realidade, não uma nota de rodapé.