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África não pode enfrentar sozinha as alterações climáticas

KINSHASA – África não contribui quase nada para o aquecimento global. A sua população com 1,4 mil milhões de pessoas – cerca de 17% da população mundial – são responsáveis ​​por menos de 3% das emissões totais de gases com efeito de estufa no mundo. Além disso, os dados sugerem que só as florestas da Bacia do Rio Congo absorvem 3% das emissões globais de dióxido de carbono todos os anos.

No entanto, África encontra-se na linha da frente do impacte das alterações climáticas. O continente já está a enfrentar desastres climáticos mais frequentes, um clima mais quente, chuvas erráticas e um aumento do nível do mar, que trazem tragédias humanas, agitação social e perturbações económicas. Por exemplo, sempre que ocorre uma nova seca, o crescimento anual per capita a médio prazo pode diminuir um ponto percentual.

Tal como acontece noutros países, os governantes em África têm de adotar a inevitável transição global para uma economia de baixo carbono. Além de tentarem obter programas económicos para elevar os padrões de vida, eles precisam urgentemente de criar resiliência contra choques climáticos, principalmente nos países que dependem da agricultura que é alimentada pela chuva. É por isso que a União Africana aprovou o Plano de Aceleração da Adaptação de África, que exige investimentos em infraestruturas resilientes, agricultura adaptável ao clima, digitalização, reformas comerciais e um alargamento das redes de segurança. Estas medidas, para além de serem 12 vezes mais económicas do que o auxílio em catástrofes, também gerarão empregos, aumentarão os rendimentos e melhorarão os níveis de vida.

Mas o preço da ação climática é alto e adiciona-se ao que é necessário para cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Na Cimeira das Alterações Climáticas COP26 no mês passado, os líderes africanos referiram que a região precisaria de 1,3 biliões de dólares nas próximas duas décadas para a mitigação e adaptação às alterações climáticas. As somas necessárias estão fora do alcance dos países africanos, especialmente agora que a pandemia de COVID-19 aumentou os níveis da dívida e limitou o crescimento. Os esforços da comunidade internacional têm sido insuficientes, até à data.

Precisamos de novas ideias e de novas estratégias. Em primeiro lugar, as subvenções financeiras e a concessão de financiamentos devem ser usadas de forma mais eficaz. Os fundos multilaterais para o clima, bancos de desenvolvimento e outros prestadores devem tentar encontrar oportunidades para agilizar as aprovações de projetos (enquanto mantém garantias), para permitir que o dinheiro flua mais rápido para onde é necessário. Intervenções bem direcionadas que desbloqueiem obstáculos ou retifiquem falhas de mercado também podem ajudar a atrair financiamento do setor privado. Por exemplo, o aumento da ligação digital estabelece as bases para os empreendedores fornecerem seguro das colheitas, serviços meteorológicos ou consultoria agrícola em tempo real.

Em segundo lugar, precisamos de expandir novos mecanismos de financiamento nos setores público e privado. Os títulos verdes podem ajudar a financiar iniciativas relacionadas com o clima a taxas comparativamente baixas, mas África está atrás de outras regiões nesta área decisiva. De 2007 a 2018, a região representou apenas cerca de 2 mil milhões de dólares em emissões – somente 0,4% do mercado mundial de títulos verdes.

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Em outros locais, há novos programas que estão a vincular o financiamento diretamente à ação climática. O Reino Unido concordou recentemente em fornecer 500 milhões de dólares à República Democrática do Congo (RDC) para atenuar a perda florestal. A Noruega tem um acordo semelhante com o Gabão no valor de 150 milhões de dólares. Uma ideia relacionada é a “troca da dívida pelo clima”. Vincular o alívio da dívida à ação climática exigirá um grande conjunto de dívidas passíveis de troca, bem como indicadores de desempenho padronizados e outros dados relacionados.

Terceiro, devemos reconhecer que ajudar os governos africanos a ter acesso a novas fontes de capital – incluindo inovações no financiamento climático – depende fortemente da redução dos seus perfis de risco a nível de crédito e do país. No panorama nacional, isto significa melhorar a governação – principalmente através de reformas na aquisição e gestão de investimentos públicos, finanças públicas e dívida – e assegurar planos de investimento cuidadosamente calculados e fiscalmente sustentáveis.

O Fundo Monetário Internacional já está a desempenhar um papel importante em apoiar os governos nacionais a criar a sua capacidade para enfrentar os desafios climáticos (a RDC é um dos primeiros beneficiários do apoio do FMI para o desenvolvimento de capacidades com foco no clima). E através da supervisão do Artigo IV do Fundo, os investidores continuam informados sobre o progresso dos países na implementação de medidas de adaptação ao clima.

No panorama internacional, medidas padronizadas – como um sistema de garantias para as primeiras perdas – poderiam ajudar a melhorar os perfis de risco e catalisar os fluxos financeiros privados. Seria necessário um projeto cauteloso para garantir a divisão apropriada de riscos entre os setores público e privado. Um modelo promissor é a emissão de “títulos azuis” de 15 milhões de dólares pelas Ilhas Seychelles, em 2018. Garantido pelo Banco Mundial, este instrumento financia projetos oceânicos e, graças às baixas taxas de juro, ajuda a reduzir a dívida nacional.

Embora estes exemplos mostrem o que é possível, é necessária uma ação muito mais abrangente em todo o continente africano. Uma abordagem “business as usual” resultará em enormes perturbações nas vidas e nos meios de subsistência, ao passo que uma adaptação bem planeada e bem financiada pode garantir que o desenvolvimento continue e que as pessoas estejam apetrechadas para viver, trabalhar e prosperar na nova economia climática.

Felizmente, há uma nova vontade mundial para enfrentar a crise climática e agarrar as oportunidades relacionadas com o clima. A COP26 resultou em novos acordos globais sobre questões difíceis como subsídios para carvão e energia, e gerou acordos personalizados tais como a combinação de doações e empréstimos baratos de 8,5 mil milhões de dólares para ajudar a África do Sul a descarbonizar a sua economia.

Além disso, após a recente atribuição de 650 mil milhões de dólares em novos direitos de saque especiais (a unidade de conta do FMI), o Fundo recebeu luz verde para estabelecer um novo Fundo de Resiliência e Sustentabilidade. Este mecanismo fornecerá financiamento acessível e a longo prazo para membros pobres e ​​de rendimento médio vulneráveis e pequenos estados que realizem reformas estruturais para transformar as suas economias e enfrentar os riscos climáticos.

Os sinais são promissores. Mas, como diz o ditado: “Uma andorinha não faz a primavera”. Para enfrentar a crise climática em África e colocar o continente numa nova trajetória de crescimento sustentável, são necessários esforços conjuntos por parte dos governos nacionais, do setor privado e da comunidade internacional.

O tempo não está do nosso lado. Temos todos de agir agora para aproveitar ao máximo o tempo de que dispomos.

https://prosyn.org/vvUY8lMpt