castanedasolares1_AKRAM SHAHIDAFP via Getty Images_pakistan floods AKRAM SHAHID/AFP via Getty Images

Como prevenir crises humanitárias

LONDRES – O mundo está a viver a pior crise alimentar da história moderna. À medida que uma confluência de crises geopolíticas, económicas e climáticas dá alento à escassez global, um número impressionante de 326 milhões de pessoas em dezenas de países precisam de ajuda humanitária, com 222 milhões a enfrentar uma insegurança alimentar intensa e até 50 milhões em risco de morrer à fome.

Os países mais pobres foram os mais atingidos pelo aumento dos preços globais dos alimentos causado pela guerra na Ucrânia. E com a iminente catástrofe climática a ameaçar agravar os efeitos de conflitos e interrupções na cadeia de abastecimento, o setor humanitário tem de adotar uma abordagem mais proativa e antecipada para a crescente crise de fome.

Até há relativamente pouco tempo, as organizações humanitárias não prestavam muita atenção às alterações climáticas. Mas a proliferação de emergências humanitárias relacionadas com o clima fez com que o setor reconhecesse a ameaça que a crise climática representa para os países de baixo rendimento e para o sistema alimentar global.

Embora as inundações e ondas de calor mortíferas que atingiram a Europa nos últimos dois anos tenham mostrado que mesmo os países considerados relativamente seguros não são imunes a eventos climáticos extremos, os países em desenvolvimento são muito mais vulneráveis. Em 2021, 94% das pessoas deslocadas internamente fizeram-no como resultado dos riscos relacionados com o clima. As inundações do ano passado no Paquistão, que chocaram o mundo, submergiram um terço do país, ceifaram mais de 1730 vidas, afetaram 33 milhões de seres humanos e estima-se que tenham causado perdas económicas no valor de 16,3 mil milhões de dólares.

Com as alterações climáticas a provocar crises humanitárias em todo o mundo, o número de pessoas que precisa de ajuda aumentou 40% durante o ano passado. Em resposta à crescente necessidade, o financiamento para causas humanitárias quase duplicou na última década, atingindo 31,3 mil milhões de dólares em 2021. Mas, embora o financiamento tenha aumentado, o desafio que hoje as agências internacionais e ONG enfrentam é o de maximizar o impacto desses recursos e fortalecer organizações locais e nacionais.

Como as coisas estão atualmente, dois terços de todas as contribuições diretas para causas humanitárias vão para agências das Nações Unidas e organizações internacionais proeminentes como a Cruz Vermelha e o Crescente Vermelho. Apesar de essas grandes instituições desempenharem um papel decisivo, as iniciativas baseadas na comunidade geralmente têm uma melhor noção dos contextos locais. Os maiores doadores e ONG do mundo pareciam reconhecer esse facto quando lançaram a iniciativa Grand Bargain em 2016, comprometendo-se a fornecer 25% do financiamento humanitário a organizações locais. Mas sete anos após o anúncio do acordo, o número ainda é inferior a 2%.

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Até agora, o modus operandi do setor tem sido reativo. Quer se trate do Haiti, da Etiópia ou do Paquistão, os métodos são os mesmos: surge uma crise, lança-se um apelo humanitário, angaria-se fundos e presta-se assistência muitos dias (ou até meses) depois. Mas, ao confiarmos na ciência climática, podemos antecipar os riscos e atender às necessidades humanitárias antes que se tornem emergências.

A ação antecipada, definida como: “agir antes dos eventos perigosos previstos para prevenir ou reduzir impactos humanitários agudos antes que eles se manifestem completamente”, envolve mecanismos de previsão e acionadores e limiares pré-acordados para libertar fundos antecipadamente. Ao darmos resposta às necessidades desta forma, podemos prestar ajuda de forma mais eficaz e digna. Em 2019, por exemplo, o governo senegalês e a Start Network adquiriram apólices de seguro contra a seca, permitindo-lhes receber financiamento para ações humanitárias e coordenar medidas para proteger comunidades em risco.

Mas a ação antecipada também tem os seus limites. Tal como mostra um relatório recente da Start Network, nem todas as crises podem ser previstas ou modeladas. Mesmo assim, a adoção dessa abordagem permitiria que os atores e organizações humanitárias fossem proativos, melhorassem a eficiência e evitassem que eventos que ameaçam a vida se transformassem em desastres de grande dimensão.

O sistema de ajuda global precisa de uma reforma rápida. Embora tenha havido algum progresso nos últimos anos, grande parte foi transacional e não transformador. É certo que os problemas que enfrentamos são complexos e multidimensionais, e não podemos desconsiderar a dimensão política da ação humanitária. Algumas pessoas podem acreditar que a necessidade ou o desespero forçarão o setor a mudar para melhor, mas intensificar ações antecipadas e lideradas localmente representa um caminho muito mais promissor.

A atual crise climática oferece uma oportunidade única para uma reforma humanitária baseada em evidências. No nosso mundo orientado por dados, não há razão para esperar até que ocorra uma catástrofe. Ao anteciparmos os riscos e planearmos com antecedência, podemos proteger comunidades vulneráveis e tornar o mundo um lugar mais seguro.

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