delong238_David Madison via Getty Images_bridge building David Madison via Getty Images

Construindo pontes econômicas

BERKELEY – Na história da modernidade, a verdadeira mudança da maré aconteceu em 1870, com o que o economista ganhador do Nobel Simon Kuznets chamou de “Crescimento Econômico Moderno”. Desde então, as capacidades tecnológicas da humanidade vêm praticamente dobrando a cada 35 anos ou menos, e revolucionando a economia a cada geração, para então revolucioná-la de novo na próxima.

Combinado à economia de mercado e ao capitalismo moderno, o progresso tecnológico está gerando formas novas incrivelmente eficazes de se fazer coisas antigas e novas. Contudo, se sua vida era centrada em fazer coisas antigas à moda antiga, você aprendeu do jeito mais difícil o que Joseph Schumpeter quis dizer quando chamou o capitalismo moderno de “o perene vendaval da destruição criativa”. Além disso, em uma sociedade de mercado, as forças tecnológicas que impulsionam a “destruição” tendem a ser ampliadas, porque os direitos de propriedade são as únicas coisas que importam, e alguns direitos de propriedade se revelam mais valiosos do que outros.

Naturalmente, isso cria tensões sociais e políticas. As pessoas em geral acreditam que deviam ter mais direitos, e mais variados, do que só aqueles conferidos pela propriedade. Como tal, prevalece a desilusão com a mensagem das últimas décadas, que se resumiu a: “O mercado dá, o mercado toma: abençoado seja o nome do mercado”.

Agora chega The Wall and the Bridge: Fear and Opportunity in Disruptions Wake(“O Muro e A Ponte: Medo e Oportunidade no Rastro da Inovação”, em tradução livre do inglês), do atencioso ex-economista neoliberal Glenn Hubbard. Diretor do Conselho de Assessores Econômicos dos EUA no governo do presidente George W. Bush, Hubbard reflete sobre o que houve com a economia americana desde que ele começou a estudar economia em 1977. De lá para cá, “a mudança tecnológica e a globalização ampliaram o valor de mercado das minhas habilidades e... (das de outros) profissionais. Enquanto isso, o fechamento das siderúrgicas integradas de Youngstown não levou a esforços incomensuráveis para a capacitação e recolocação de muitos trabalhadores e comunidades para a economia transformada”.

Ele fecha com uma visão do melhor caminho não tomado: “Imaginem se o apoio corajoso para faculdades e treinamentos comunitários estivesse à altura da capacitação e recolocação da G.I. Bill (referência à lei de 1944 que assegurava benefícios aos veteranos da Segunda Guerra Mundial), à medida que a América incentivava a integração global. Imaginem se a liderança... movesse o debate político em direção à participação econômica... Imaginem o florescimento em massa”.

Lendo isso, minha memória volta não a 1977, mas a 1993. Estou na Sala Roosevelt da Casa Branca, e a voz que ouço não é de Glenn Hubbard, mas a do então secretário do Trabalho, Robert Reich. Ele está tocando em todos os mesmos temas.

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A tecnologia e a globalização oferecem benefícios de longo alcance, observa Reich, mas também aumentam o risco de algumas pessoas serem deixadas para trás. Assim, devemos construir pontes para ajudar as pessoas a se deslocar para os setores que definirão a nova economia. O que não devemos fazer é construir muros para proteger as indústrias que se tornarão improdutivas pelas forças da destruição criativa. (Aqui, eu também ouço a voz do então vice-presidente Al Gore, disposto a gastar verba federal para criar a espinha dorsal do que se tornaria a internet dos anos 1990 – a ponte definitiva para o florescimento em massa do século 21.)

Trabalhando para o secretário do Tesouro, Robert Rubin, dissemos a Reich algo nesse sentido: “Sim, você  está certo. Mas não dá pra fazer agora. Os eleitores americanos estão zangados. Precisamos aumentar os impostos sobre os ricos, colocar o déficit orçamentário a caminho do zero e gerar uma recuperação econômica baseada em alto investimento e alto crescimento da produtividade. Abordaremos muitas dessas questões neste ano, e no próximo ano faremos o Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte). Podemos voltar à construção de pontes e à social-democracia depois.”

Reich perdeu esse debate político, e o governo Clinton nunca conseguiu perseguir a social-democracia, a construção de pontes ou o florescimento em massa. Podíamos ter tomado esse caminho, mas os republicanos retomaram a Câmara dos Deputados e embarcaram numa campanha (de obstrução) de terra arrasada sob o comando do presidente da Casa, Newt Gingrich.

Gostaríamos que Hubbard estivesse do nosso lado nos debates políticos posteriores à chamada Revolução Republicana de 1994. “Nós, economistas”, escreve ele, “estamos deixando o debate público ir para os extremos opostos da construção de muros e de otimismo laissez-faire sobre mudanças e mercados que fazem tudo ficar bem”. Lendo isso, não posso deixar de pensar na resposta de Tonto a Zorro: “O que você quer dizer com ‘nós’, kemosabe?”

Ao recordar o debate do Partido Republicano do qual participou, Hubbard observa que a assistência de ajuste comercial (Trade Adjustment Assistance, no original em inglês) “surgia como tema político só quando se buscavam novas expansões comerciais”. Do contrário, “recebia pouca atenção durante longos períodos, ou qualquer interesse em sua ampliação”. Aqui, minha resposta é: “Glenn, você chegou tarde pra festa!”

Felizmente, ele trouxe grandes bebidas pra compensar seu atraso, fazendo-me desejar que tivesse seu livro em mãos há seis meses, antes que finalizasse o meu próprio livro, Slouching Towards Utopia: The Economic History of the Twentieth Century(”Rastejando até a Utopia: A História Econômica do Século 20”, em tradução livre do inglês). De fato, os marcos intelectuais a que Hubbard faz referência são em grande parte iguais aos meus: Karl Polanyi, Friedrich Hayek, John Maynard Keynes.

No fim, Hubbard acertou. Os populistas querem construir muros, mas do que nós precisamos – até mais do que há três décadas – são pontes.

Tradução por Fabrício Calado Moreira

https://prosyn.org/Ht3XDKzpt