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Crise da dívida sem fim dos países em desenvolvimento

PARIS – A crise da dívida nos países de baixa renda continua se agravando. Entretanto, a comunidade política internacional parece estar perdendo força no problema. Será que conseguirá recuperar seu domínio ou será que um desastre da dívida dos países em desenvolvimento se tornou inevitável?

O número de economias em situação de super endividamento já tinha aumentado acentuadamente entre a crise financeira global de 2008-09 e as vésperas da pandemia do COVID-19, conforme avaliado pelos países que receberam uma desfavorável classificação de B3 ou inferior da agência de avaliação de crédito Moody's. Depois, quando a pandemia eclodiu, o  número de países em dificuldades parou de aumentar, à medida que os líderes globais decidiam enfrentar o que era na ocasião uma emergência humanitária, bem como uma crise financeira. Os países do G20 apresentaram uma Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida, que aliviou temporariamente da necessidade de pagamento os governos dos países em dificuldades.

Mas quando a DSSI (Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida) expirou no final de 2021, o número de países em dificuldades começou novamente a aumentar, em parte porque as taxas de juros globais mais elevadas tornaram ainda mais difícil o serviço das dívidas. O número de países em situação de super endividamento, medido pela Moody's, ultrapassa atualmente 40.

No final de 2020, a DSSI foi complementada pelo Arcabouço Comum para o Tratamento da Dívida. O objetivo seria facilitar acordos de reestruturação entre países com dívidas insustentáveis, seus credores de países avançados e detentores de títulos No entanto, esses esforços de reestruturação arrastaram-se, literalmente, durante anos, sem progressos evidentes.

No mês passado, um acordo entre a Zâmbia e os seus credores foi saudado como um avanço. Mas a ajuda oferecida à Zâmbia foi evidentemente inadequada. E assim que o acordo proposto foi anunciado, ele ruiu. A China queixou-se de que os seus credores bancários estatais estavam sendo tratados de forma menos favorável do que os detentores de títulos. O Arcabouço Comum, como observaram antisepticamente dois dos seus críticos, precisava de “uma grande redefinição para o ano novo”.

Coincidentemente, 2024 marca o centenário do Plano Dawes, sob o qual as dívidas da Alemanha para com seus adversários da Primeira Guerra Mundial foram reestruturadas. E é aí que entra uma história.

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A guerra deixou uma emaranhada teia financeira: cerca de US$30 bilhões em reparações devidas pela Alemanha aos vitoriosos Aliados europeus e  US$10 bilhões em dívidas de guerra devidas pelos Aliados aos Estados Unidos. Era claro que estas obrigações estavam interligadas – que os Aliados concordariam em reduzir as reparações da Alemanha apenas se os EUA cancelassem suas dívidas.

No entanto, o Congresso dos EUA, tendo tomado uma atitude isolacionista, recusou-se terminantemente a perdoar as obrigações dos Aliados. Os EUA eram novatos nas responsabilidades de ser credor líquido do mundo, por ter devedor líquido antes da guerra.

Em 1923, os EUA reconheceram tardiamente a gravidade da crise da dívida pós-Primeira Guerra Mundial, que a hiperinflação alemã tornou impossível ignorar. Permitiu que Charles G. Dawes, banqueiro de Chicago e futuro vice-presidente dos EUA, presidisse um comitê internacional para analisar o problema da dívida do pós-guerra.

O envolvimento de Dawes foi significativo na medida em que sinalizou o reengajamento dos EUA nos assuntos globais. Mas embora o Plano Dawes tenha reduzido as obrigações imediatas da Alemanha, proporcionou pouco alívio da dívida no longo prazo, apenas empurrando os pagamentos do país para o futuro. As transferências em curso do governo alemão para os Aliados foram então financiadas por um empréstimo flutuante em dólares no mercado americano pelo banco norte-americano de investimentos, JP Morgan & Co.

Estes acordos em retalhos interromperam a hiperinflação da Alemanha e permitiram a retomada do crescimento econômico europeu. Mas tudo desmoronou depois de 1929. À medida que a economia global afundava na Grande Depressão, em 1931, foi acordada uma moratória de um ano sobre todas as dívidas e pagamentos de reparações.

Só em 1932, quando já era tarde demais para evitar a desastrosa virada política da Alemanha, é que os governos europeus concordaram finalmente em cancelar seus pedidos de reparação. Continuaram repudiando  suas dívidas para com os EUA, ganhando a duradoura inimizade do Congresso.

Várias lições para a atual crise da dívida dos países em desenvolvimento podem ser extraídas desta trágica história.

Em primeiro lugar, os credores, mesmo quando inexperientes, devem reconhecer seu papel na resolução de crises de dívida. Hoje, isto significa que todos os olhos estão voltados para a China, que é o credor mais importante dos países pobres em situação de super endividamento.

Em segundo lugar, o simples fato de fornecer créditos a países em dificuldades, à maneira do JP Morgan em 1924, apenas adia o problema. A China está atualmente fornecendo swaps e créditos em renminbi a governos que anteriormente contraíram empréstimos para infraestruturas como parte da Iniciativa Cinturão e Rota da China, permitindo-lhes manter-se em dia com seus pagamentos aos bancos chineses. Esse expediente não resolve nada. Apenas torna os países em dificuldades mais endividados.

Por último, dar aos países sobrecarregados de dívidas alívio suficiente para se manterem à tona deixa-os em risco no caso de um novo choque. Essa foi a abordagem adotada no âmbito do Plano Dawes e que fracassou na Grande Depressão. É a abordagem adotada no âmbito do Arcabouço Comum, que obriga os credores apenas a fornecer o mínimo necessário – apenas o alívio suficiente para permitir ao Fundo Monetário Internacional declarar sustentável a dívida do país. Isso não deixa margem para erro. E, como os acontecimentos nos lembraram, os erros acabam sempre acontecendo.

Tradução de Anna Maria Dalle Luche, Brazil

https://prosyn.org/XSiPwgLpt