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A mudança do paradigma económico de África

ARGEL – Antes da epidemia da COVID-19, África registou 25 anos de expansão económica ininterrupta, levando os analistas a proclamar que a dinâmica de crescimento do continente já não dependia das suas indústrias extractivas. À medida que aumentou o acesso à educação e à saúde, também aumentou a esperança de vida, o que encorajou uma narrativa de “África em ascensão”. Para financiar as suas necessidades de desenvolvimento, os países africanos viraram-se para os mercados internacionais de capitais, muitos deles pela primeira vez.

Uma análise atenta dos dados, porém, revela que o crescimento económico de África não foi amplamente partilhado. O crescimento per capita, em especial, foi muito menos impressionante do que aparentava inicialmente. A pobreza continua a ser endémica em todo o continente, com perto de 431 milhões de pessoas na pobreza extrema (a viver com menos de 1,90 dólares por dia). Sem uma acção decisiva, as Nações Unidas estimam que mais 60 milhões de africanos caiam na pobreza extrema até 2030.

Além disso, a distribuição ineficiente de serviços públicos como a educação e os cuidados de saúde originou uma insatisfação generalizada. As ambições dos jovens cada vez mais educados do continente, em especial, parecem ter ultrapassado o efectivo desenvolvimento material. Apesar dos esforços significativos para aumentar a sua disponibilização, metade da população de África ainda não dispõe de acesso a electricidade. Consequentemente, milhões de africanos migraram nas últimas décadas, à procura de melhores oportunidades.

Os choques económicos dos últimos anos, especialmente a pandemia e a invasão da Ucrânia pela Rússia, comprometeram a narrativa da “África em ascensão” ao sublinharem a pesada dependência do continente relativamente à importação de medicamentos, alimentos e combustíveis. Apesar de o continente albergar 60% dos solos aráveis não cultivados do mundo, estas crises destacaram a lenta evolução de África na capitalização dos seus vastos recursos terrestres e subterrâneos para garantir a segurança alimentar e energética.

A situação actual em África apresenta semelhanças surpreendentes com a década de 1990, marcada por guerras, golpes e graves crises alimentares e de endividamento. A convergência da instabilidade interna e de choques externos pôs em marcha um círculo vicioso de dificuldades económicas e financeiras, suscitando questões sobre a capacidade de o continente moldar o seu próprio destino.

Perante estes desafios, contudo, os países africanos tornaram-se cada vez mais pró-activos na promoção dos seus interesses nacionais e regionais. Esta mudança reflecte-se nos seus padrões de votação na Assembleia Geral da ONU, especialmente em questões como a guerra na Ucrânia. Os líderes africanos também assumiram um papel mais proeminente nos debates internacionais sobre a energia e o clima.

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Em parte, esta assertividade recém-adquirida é resultado de um panorama geopolítico em mudança, onde os países africanos são cada vez mais cortejados por potências globais rivais. Os líderes políticos dispõem agora de uma oportunidade única para alavancar a sua influência crescente, através da aceleração da implementação da Zona Continental Africana de Comércio Livre. A ZCACL, que entrou em vigor em 2019, visa reforçar o comércio transfronteiriço através da criação de um mercado unificado com regras de origem que proporcionem um tratamento preferencial a mercadorias produzidas em África. A implementação deste bloco comercial pode estimular a industrialização e reforçar a posição de África nas negociações globais.

Apesar de a ZCACL representar uma mudança significativa no paradigma económico de África, desbloquear o seu pleno potencial obrigará a um esforço concertado. A população do continente aumentará previsivelmente dos 1200 milhões de hoje para 2500 milhões em 2050. Enquanto alguns comentadores consideram o rápido crescimento populacional como um potencial desencadeador de agitação sociopolítica e como um peso para as finanças públicas, os seus benefícios económicos não devem ser subestimados. Se reforçarem o comércio transfronteiriço e agilizarem os seus sistemas de governação, os países africanos poderão capitalizar este dividendo demográfico.

Durante décadas, a elaboração de políticas em África foi dominada por um paradigma económico que se concentrou na satisfação da procura dos mercados internacionais, equiparado à estratégia de crescimento liderado pelas exportações que sustentou o “milagre económico” do Leste Asiático entre as décadas de 1960 e 1990. Esta abordagem baseava-se na crença de que a concorrência internacional obrigaria os governos a implementar reformas nacionais e a reforçar a produtividade.

Na realidade, porém, África continuou a depender grandemente das exportações de mercadorias. As economias africanas têm-se debatido frequentemente com taxas de juro elevadas e moedas sobrevalorizadas. Consequentemente, o paradigma macroeconómico prevalecente promoveu uma dependência exagerada das importações, com os sistemas financeiros nacionais a atenderem as necessidades dos governos e dos oligopólios de importações em vez de diversificarem a base económica do continente.

O novo paradigma que os países africanos terão de adoptar baseia-se no crescimento induzido pela procura interna, que aproveite a base de clientes do continente, em rápido crescimento. Para conseguirem isto, os decisores políticos têm de aumentar a capacidade produtiva local através do reforço da procura interna. Isto é especialmente relevante para sectores como o agronegócio, a electricidade, as telecomunicações e as finanças, onde a procura está a subir rapidamente e o potencial para a regionalização é enorme.

Para começar, os líderes africanos devem desmonopolizar o sector das importações através da promoção da concorrência nos transportes e na distribuição. Adicionalmente, devem defender taxas de câmbio concorrenciais, ao mesmo tempo que definem redes de segurança adequadas para atenuar potenciais efeitos adversos. Se combinarem os ajustes a taxas de câmbio com um reforço da concorrência nos mercados de produtos, os decisores políticos poderão redireccionar a despesa com as importações para mercadorias produzidas internamente e evitar a inflação induzida pela desvalorização. Uma ênfase renovada na industrialização terá potencial para integrar no mercado laboral um grande segmento da população que actualmente trabalha no sector informal, proporcionando dessa forma melhores oportunidades de emprego aos trabalhadores.

Apesar de os ajustes macroestruturais serem essenciais para atrair o investimento directo nacional e estrangeiro, os países africanos também têm de assegurar o financiamento necessário para satisfazer as suas imensas necessidades de infra-estruturas, especialmente no que diz respeito à erradicação da pobreza energética. Para apoiar a sua nova estratégia económica, muitos países com problemas de endividamento têm primeiro de reestruturar as suas responsabilidades existentes, uma tarefa que exige o apoio de parceiros internacionais.

Em termos de prioridades, os decisores políticos africanos têm de concentrar-se no reforço da produção de energia, além da transição para as energias renováveis. As reformas da governação, suportadas pela integração regional, serão essenciais para satisfazer as crescentes necessidades energéticas do continente. As estratégias de redução de risco, como as garantias oferecidas pelos bancos de desenvolvimento, não conseguirão melhorar a atractividade dos projectos energéticos só por si. Com a implementação de reformas ousadas e abrangentes, especialmente nos sectores da electricidade, financeiro e dos transportes, os países poderão tornar as suas indústrias energéticas mais amigas dos investidores.

O êxito está longe de estar garantido, em parte porque os interesses dos políticos e das empresas em África estão frequentemente alinhados, criando assim corrupção e reforçando a desconfiança do público. Apesar de o paradigma económico emergente do continente trazer consigo a promessa de uma maior autonomia, especialmente em sectores-chave como a alimentação e a energia, o seu potencial não poderá ser plenamente cumprido sem o primado do direito. Os líderes africanos têm de usar esta oportunidade para reafirmarem o seu compromisso com a sua defesa.

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