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A Somália virou uma página

CAIRO – A 13 de Dezembro de 2023, a Somália atingiu o ponto de conclusão da Iniciativa para Países Pobres Altamente Endividados (IPPAE), tornando-se o 37º país a beneficiar do programa. Com o objectivo de garantir endividamentos geríveis para os países pobres, a IPPAE, criada pelo Fundo Monetário Internacional e pelo Banco Mundial, proporciona alívio da dívida aos países que usarem os fundos assim poupados em programas que beneficiem os mais pobres e na consecução dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

A Somália tem estado endividada junto de credores bilaterais e multilaterais desde o colapso da República Democrática Somali em 1991. Mas no seguimento do ponto de conclusão da IPPAE, a sua dívida externa desceu de 5,2 mil milhões de dólares no fim de 2018 para menos de 600 milhões de dólares. A jornada até este ponto tem sido difícil, marcada por uma seca grave e prolongada, pela pandemia da COVID-19, por uma capacidade fiscal cronicamente limitada, por instituições débeis e por outros desafios significativos.

A Somália deve o seu feito a reformas extensivas destinadas ao reforço das receitas nacionais, ao fortalecimento da gestão das finanças públicas, à resolução de debilidades de governação e ao apoio às capacidades institucionais e de regulação do banco central. Desde 2013, governos sucessivos, apoiados por programas do FMI e do Banco Mundial, bem como do Banco Africano de Desenvolvimento, da União Europeia e de muitos outros parceiros para o desenvolvimento, não só assumiram as rédeas do processo, como também mobilizaram o público e os principais líderes a seu favor.

Mas a Somália ainda enfrenta desafios humanitários A seca – que durou entre 2015 e 2023 – ceifou muitas vidas, destruiu a produção agrícola e pecuária e ampliou uma insegurança alimentar que era já grave. Nos últimos meses, as fortes chuvas do El Niño agravaram condições já deficientes, causando cheias generalizadas em muitas áreas do país. Segundo um relatório de 2023 sobre a pobreza editado pelo Instituto Nacional de Estatística da Somália, 54,4% da população vive abaixo do limiar nacional de pobreza (2,06 dólares por dia).

Adicionalmente, a actual taxa de crescimento económico não é adequada para reduzir a elevada pobreza da Somália ou para criar oportunidades de emprego suficientes para os jovens. Um relatório governamental de 2022 indica que pelo menos 80% das crianças enfrentam pobreza multidimensional (o que significa que sofrem privações em pelo menos duas dimensões da pobreza). Apesar de um trabalho considerável no sentido da consecução de alguns ODS nos últimos anos, o primeiro Relatório de Avaliação Nacional Voluntária da Somália, redigido em 2022, concluiu que são necessários recursos financeiros e técnicos substanciais para se garantir um progresso significativo até 2030, a data-limite para os ODS.

Mesmo assim, a nossa impressão é que a entusiasta juventude da Somália (75% da população tem menos de 35 anos de idade) tem um potencial enorme para impulsionar o crescimento e o desenvolvimento. Estrategicamente situada à beira de rotas marítimas críticas no Golfo de Adem e no Oceano Índico, a Somália é abençoada com um vibrante sector privado e uma diáspora pujante. Com um litoral que excede os 3000 quilómetros – o segundo maior de África – dispõe de recursos piscícolas abundantes e diversificados, de potenciais reservas de petróleo e de gás, de extensos solos aráveis com dois rios e de uma substancial população pecuária.

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No seguimento da sua recente admissão à Comunidade da África Oriental, a Somália dispõe também de uma oportunidade para aprofundar a sua integração económica numa região com mais de 300 milhões de pessoas, posicionando-se potencialmente como um centro regional para o comércio. Entretanto, um recém-aprovado programa de sucessão do FMI visará assistir o governo na manutenção da dinâmica reformista, promovendo o crescimento inclusivo, reforçando as receitas nacionais e fortalecendo as finanças públicas, entre outros objectivos. Se forem adoptadas atempadamente, estas políticas também ajudarão a desenvolver resiliência contra choques relacionados com o clima. Como a Somália conservou um compromisso firme com as reformas, apesar do seu árduo passado recente, existem boas razões para esperar que o seu progresso continue.

Evidentemente, os recentes desenvolvimentos políticos na região levantam preocupações. A Somália opôs-se veementemente ao memorando de entendimento da Etiópia, que prevê alugar uma faixa de terreno costeiro da região separatista da Somalilândia. Não deveria ser necessário salientar que tanto a paz interna da Somália como os bons relacionamentos com os seus vizinhos são pré-requisitos para um crescimento económico robusto e fazer avançar a agenda dos ODS. Dada a sua localização estratégica, é essencial uma Somália unida, próspera e pacífica para o desenvolvimento económico no Corno de África. Como salientou a União Africana, o respeito mútuo entre a Somália e a Etiópia terá de prevalecer, ou a prosperidade e estabilidade regionais sofrerão.

A conclusão da IPPAE pela Somália indica a determinação do país em cumprir o seu enorme potencial económico. Mas isso obrigará a um reforço da segurança, a reformas estruturais abrangentes e a investimentos substanciais em infra-estruturas físicas e sociais para promover o crescimento económico. Com as receitas internas actualmente responsáveis por apenas 2,7% do PIB, será essencial a adopção de uma política fiscal prudente que consiga mobilizar receitas e assegurar a sustentabilidade da dívida.

A comunidade internacional tem de continuar a apoiar a Somália no seu desenvolvimento pós-IPPAE. O êxito recente do país é testemunho do poder do multilateralismo. Há muito a perder com a complacência, e muito a ganhar com parcerias internacionais sustentadas que apoiem as ambiciosas reformas da Somália.

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