people shopping Peter Macdiarmid | getty images

Confrontar o papão fiscal

BERKELEY – A economia mundial está a afundar-se visivelmente, e os decisores políticos que deveriam ser os seus timoneiros estão a enredar-se cada vez mais. Ou assim sugerem os resultados da cimeira do G-20 realizada em Xangai no fim do mês passado.

O Fundo Monetário Internacional, que acabou de rever em baixa a sua previsão para o crescimento global, avisou os participantes reunidos do G-20 que estava pendente uma nova revisão em baixa. Apesar disso, tudo o que emergiu da reunião foi uma declaração anódina sobre prosseguir reformas estruturais e evitar políticas proteccionistas (NdT: beggar-thy-neighbour).

Uma vez mais, a política monetária foi considerada (para usar uma frase já familiar) como a única saída possível (NdT: the only game in town). Os bancos centrais mantiveram as taxas de juro baixas durante quase oito anos. Fizeram experiências com a flexibilização quantitativa. Na sua mais recente contorção, moveram as taxas de juro reais para terreno negativo.

A motivação é sólida: alguém precisa de fazer algo para manter a economia mundial a flutuar, e os bancos centrais são os únicos agentes capazes de agir. O problema é que a política monetária está a aproximar-se da exaustão. Não parece que se possa reduzir muito mais as taxas de juro.

As taxas negativas, além disso, já começaram a enfraquecer a saúde do sistema bancário. Cobrar aos bancos pelo privilégio de deterem reservas aumenta-lhes os custos do seu negócio. Como as famílias podem sempre recorrer a cofres, torna-se difícil aos bancos cobrarem aos depositantes por lhes guardarem as suas poupanças.

Numa economia fraca, além disso, os bancos têm pouca capacidade de repercutir os seus custos em taxas mais altas no crédito. Na Europa, onde mais avançaram as experiências com taxas de juro negativas, as dificuldades dos bancos são claramente visíveis.

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A solução é simples. Consiste em resolver o problema da procura deficiente, não pela tentativa de afrouxar ainda mais as condições monetárias, mas aumentando a despesa pública. Os governos deveriam contrair empréstimos para investir na investigação, na educação, e em infra-estruturas. Actualmente, esses investimentos são baratos, dadas as baixas taxas de juro. O investimento público produtivo também melhoraria os rendimentos do investimento privado, encorajando as empresas a assumir projectos adicionais.

Portanto, é perturbador ver a recusa dos decisores políticos, especialmente nos EUA e na Alemanha, em sequer contemplar uma tal acção, apesar do espaço fiscal disponível (como mostram as taxas das obrigações do tesouro em valores mínimos históricos, e praticamente todos os outros indicadores económicos). Na Alemanha, a aversão ideológica aos défices orçamentais é profunda. Está enraizada na doutrina do pós-2ª Guerra Mundial do “ordoliberalismo”, que previa que o governo deveria fazer cumprir contratos e assegurar uma concorrência adequada, mas evitando interferir na economia para além disso.

A adesão a esta doutrina evitou que os decisores políticos Alemães do pós-guerra fossem tentados por excessos como os de Hitler e Estaline. Mas o custo foi elevado. A ênfase ordoliberal sobre a responsabilidade pessoal fomentou uma hostilidade infundada à ideia de que acções individualmente responsáveis não produzem automaticamente resultados agregados desejáveis. Por outras palavras, tornou os Alemães alérgicos à macroeconomia.

Depois disso, o envelhecimento da população Alemã conferiu alguma urgência a uma poupança colectiva para a reforma através de excedentes orçamentais. E a série excepcional de défices orçamentais que se seguiu à reunificação Alemã em 1990 só pareceu agravar, em vez de resolver, os problemas estruturais da Alemanha reunificada.

Em última instância, a hostilidade ao uso da política fiscal, tal como muitas coisas Alemãs, tem a sua origem na década de 1920, quando os défices orçamentais levaram à hiperinflação. As circunstâncias actuais podem ser completamente diferentes das da década de 1920, mas ainda existe culpa colectiva, como aprende muito cedo qualquer aluna ou aluno Alemão.

Os EUA não experienciaram a hiperinflação na década de 1920, ou em qualquer momento da sua história. Mas durante a maior parte de dois séculos, os seus cidadãos suspeitaram do poder do governo federal, incluindo do poder para gerir défices, que é fundamentalmente uma prerrogativa federal. Entre a independência e a Guerra Civil, essa suspeita foi maior no Sul da América, enraizada no medo de que o governo federal pudesse abolir a escravatura.

Em meados do século vinte, durante o movimento pelos direitos civis, foi novamente a elite política do Sul que se opôs ao uso musculado do poder federal. Começando em 1964, em conjunto com a “Nova Sociedade” do Presidente Democrata Lyndon Baines Johnson, o governo ameaçou reter o financiamento federal para a saúde, educação e outros programas estaduais e locais, quando destinado a jurisdições que resistiam a ordens legislativas e judiciais de dessegregação.

O resultado foi transformar o Sul num bloco Republicano sólido e deixar os seus líderes hostis a qualquer exercício do poder federal, exceptuando a obrigação de cumprimento contratual e da concorrência, uma hostilidade que incluiu precisamente a política macroeconómica contracíclica. Bem-vindos ao ordoliberalismo ao estilo de Dixie. Wolfgang Schäuble, apresento-lhe Ted Cruz.

Os preconceitos ideológicos e políticos profundamente enraizados na história terão de ser ultrapassados para que a actual estagnação termine. Se um período prolongado de crescimento deprimido, depois de uma crise, não for o momento certo para desafiá-los, então quando será?

Traduzido do inglês por António Chagas

https://prosyn.org/1mDVL5ppt