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As debilidades da democracia indiana serão intrínsecas?

BERKELEY – A incapacidade do estado indiano em providenciar serviços públicos básicos e implementar projectos infra-estruturais que criem empregos foi um tema de destaque nas últimas eleições legislativas do país. Neste aspecto, os críticos frequentemente comparam a Índia de forma desfavorável com o aparentemente determinado e eficaz governo autoritário da China, apesar dos recentes excessos do presidente Xi Jinping para consolidação do seu poder pessoal. Num momento em que a confiança nas democracias liberais enfraquece por todo o mundo, esta questão assume uma importância global.

A comparação normal entre a eficiência autoritária chinesa e a disfunção democrática indiana, contudo, é demasiado simplista. O autoritarismo não é uma condição necessária nem suficiente para algumas das características especiais da governação chinesa. De modo semelhante, nem todas as deficiências do estado indiano são inerentes ao sistema democrático do país. A incompreensão destas subtilezas implica o risco de se negligenciarem três questões de governação especialmente importantes.

Para começar, ao contrário de muitos outros países autoritários, a burocracia chinesa dispõe de um sistema de recrutamento e promoção meritocrática ao nível local desde os tempos imperiais. Embora o estado indiano também recrute os responsáveis públicos com base em exames, o seu sistema de promoção – que se baseia em grande parte na antiguidade e na fidelidade aos amos políticos de cada um – não é intrínseco à democracia. Os burocratas da Índia estão menos politicamente isolados que os seus homólogos no Reino Unido, na Dinamarca ou na Nova Zelândia, mas muito mais do que os responsáveis nos Estados Unidos (mesmo antes da prática exuberante do actual presidente, de disparar-pelo-Twitter).

Porém, na meritocrática China, inúmeras evidências sugerem que a promoção ao nível provincial e superiores depende grandemente da lealdade política a determinados líderes. Além disso, existem evidências quantitativas de transacções quid pro quo em promoções de responsáveis chineses. Por exemplo, a probabilidade de promoção de um secretário provincial do Partido para os escalões mais elevados aumenta com o valor do desconto oferecido em vendas de terrenos a empresas ligadas a membros da liderança nacional. Embora as recentes campanhas anti-corrupção de Xi tenham restringido algumas destas transacções, a repressão é frequentemente mais vigorosa quando existem suspeitas de que os responsáveis envolvidos tenham ligações aos rivais dos actuais líderes.

Em segundo lugar, o estado chinês é frequentemente visto como tendo uma maior capacidade de organização que o indiano. Mas também aqui a realidade poderá ser mais matizada. O estado indiano, apesar de todas as histórias sobre burocratização excessiva, é surpreendentemente pequeno em termos do número de funcionários públicos per capita; por exemplo, o número de funcionários na administração fiscal por milhar de habitantes no Reino Unido é mais de 260 vezes superior ao da Índia, e na Turquia é cinco vezes superior. Além disso, as estruturas policiais, jurídicas e burocráticas do país têm inúmeras vagas por preencher. Em certa medida, isto deve-se ao considerável sector informal da Índia, que inclui 80 por cento dos trabalhadores do país, um valor invulgarmente elevado para uma economia de grandes dimensões, e que limita a capacidade do estado de gerar receitas fiscais para financiar o governo.

Além disso, o estado indiano tem uma capacidade extraordinária para organizar eventos complexos e de grande dimensão, como é o caso das maiores eleições do mundo, do seu segundo maior recenseamento, e de algumas das maiores festividades religiosas do mundo. Os responsáveis públicos também prepararam a identificação biométrica exclusiva de mais de mil milhões de habitantes num período relativamente curto.

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Porém, a burocracia indiana é menos eficaz no desempenho de actividades rotineiras essenciais, como a eficiente definição de preços e distribuição de electricidade. Isso não acontece porque o estado não disponha de pessoas capazes, mas antes porque as sensibilidades políticas locais dificultam a recuperação dos custos com o fornecimento de energia. As restrições políticas do estado limitam assim a sua eficácia organizacional. Além disso, as estruturas policiais e burocráticas são frequentemente incapacitadas de forma deliberada, e obrigadas a contribuir para os objectivos políticos de curto prazo dos líderes.

Finalmente, a governação na China é, e tem sido historicamente, surpreendentemente delegada para um país autoritário. O seu sistema combina a centralização política, através do Partido Comunista da China, com a descentralização económica e administrativa. O sistema indiano é praticamente o oposto, combinando a descentralização política, reflectida nos fortes agrupamentos regionais de poder, com um sistema económico centralizado em que os governos locais dependem fortemente das transferências do governo central. Por exemplo, os níveis subprovinciais do governo tendem a ser responsáveis por cerca de 60% dos gastos totais do estado na China, comparados com menos de 10% na Índia. Esta diferença ajuda a explicar o desempenho bastante pior do governo local indiano no fornecimento de serviços e equipamentos públicos de proximidade.

Adicionalmente, as regiões da China competem mais entre si no desenvolvimento empresarial e em experiências com novos empreendimentos do que fazem as suas homólogas indianas. Isto acontece principalmente porque a promoção dos responsáveis locais chineses está ligada ao desempenho, embora o ritmo da experimentação regional tenha diminuído com Xi, já que aumentaram as promoções baseadas na lealdade.

Porém, embora devamos evitar a simplificação excessiva quando comparamos a governação chinesa com a indiana, a democracia (ou a sua ausência) ainda marca a diferença. A falta da responsabilização e do julgamento eleitoral na China permite que os líderes do país evitem ceder aos interesses de curto prazo que caracterizam a política indiana, especialmente em época de eleições. Isto, por sua vez, torna mais fácil aos líderes chineses tomarem decisões de longo prazo arrojadas e de forma relativamente rápida, e de certo modo independente dos interesses corporativos e financeiros que normalmente exercem influência nos sistemas democráticos.

Por outro lado, na China os erros a alto nível ou os abusos flagrantes de poder demoram mais a ser detectados e corrigidos, na ausência de oposição política e do escrutínio da comunicação social. A ansiedade dos líderes chineses com a perda do controlo leva a demasiada rigidez e a um conformismo em sintonia. Por conseguinte, em última análise, o sistema chinês é mais frágil: quando confrontado com uma crise, o estado tende a reagir de forma exagerada, a suprimir informação, e a comportar-se de forma severa, por vezes agravando as crises.

O sistema indiano de governação, com toda a sua confusão, é mais resistente. Contudo, esta resistência tem estado sob grande tensão durante o regime do Partido Bharatiya Janata, que tentou polarizar os eleitores ao longo das divisões religiosas e sociais, que encorajou um líder forte, e que enfraqueceu as instituições e os processos democráticos. Esperemos que o PBJ aplique o capital político da sua vitória retumbante na correcção do rumo, na melhoria da governação democrática, e no respeito pela imensa diversidade da população da Índia.

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