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Economistas reconsideram a política industrial

CAMBRIDGE – À medida que legisladores no mundo todo embarcam na política industrial em busca de uma série ampla de objetivos - resiliência da cadeia de abastecimento, tecnologias verdes, vantagem geopolítica, bons empregos -, o debate sobre sua eficácia está chegando ao ponto mais alto. Tipicamente, esse debate é retratado como um em que a economia sensata sem dúvida está do lado dos céticos. “Há um robusto argumento para não se usar política industrial na economia”, entoou um comentário recente, e adotá-la “só gasta dinheiro e distorce a economia”.

Mas essa é uma visão cada vez mais datada. Ainda que em termos gerais seja verdade que os economistas mais conhecidos tenham respondido à política econômica industrial com uma hostilidade automática desde no mínimo a década de 70, as coisas vêm mudando depressa, graças a novos estudos acadêmicos menos guiados por hostilidade ideológica à intervenção pública e mais fundamentados em métodos empíricos rigorosos.

Essa safra recente de estudos oferece evidências mais confiáveis sobre como a política industrial funciona de fato, melhorando a qualidade dos debates que no passado lançavam mais sombras do que luz no assunto. Além disso, a compreensão mais complexa e contextual de tais políticas econômicas gera uma análise geralmente mais positiva.

Políticas industriais são complexas, e pode ser difícil quantificá-las para os propósitos de uma análise. Pegue-se, por exemplo, o caso da recente pressão da China no setor de construção naval. Buscando se tornar o maior país fabricante de navios dentro de uma década, a China empregou um grande número de políticas econômicas, inclusive subsídios à produção, subsídios ao investimento e subsídios à entrada. Houve muitas mudanças ao longo do caminho, como em 2009, quando os legisladores se afastaram da ideia de promover a entrada e passaram em vez disso a focar na consolidação do setor.

No passado, os economistas costumavam focar em indicadores simples como tarifas de importação, capturando apenas dimensões limitadas da política industrial e confundindo seus objetivos com outros (como ampliar a receita pública ou cumprir políticas econômicas de interesses especiais). Um número de esforços recentes de pesquisa vem empregando uma abordagem mais produtiva.

Por eemplo, um projeto comparativo na OCDE quantifica políticas industriais por meio de contabilidade profunda da atividade do governo, focando nos gastos públicos alocados especificamente para objetivos de política industrial. Uma equipe de economistas liderada por dois de nós (Réka Juhász e Nathan Lane) aplica modelos de processamento de linguagem natural a inventórios de políticas econômicas disponíveis publicamente para gerar uma classificação detalhada das políticas industriais.

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Este último trabalho está gerando novos insights importantes. Para começar, a política industrial tem sido onipresente, e sua prevalência antecede a ampliação recente de seu uso e destaque nas discussões públicas. Não só isso, não é mais apropriado, se é que em algum momento foi, associar política industrial com políticas comerciais protecionistas e que olhem para dentro; políticas industriais contemporâneas tipicamente visam promover epxortações. Além disso, a predominância de políticas industriais tende a aumentar com a renda; economias desenvolvidas a usam mais e de modo mais intenso do que os países em desenvolvimento.

Métodos melhorados de inferência causal também estão levando economistas a revisar seus pontos de vista. Tradicionalmente, os economistas avaliavam os efeitos da política industrial examinando se os setores que recebiam mais ajuda pública tinham melhor desempenho - em geral chegando a uma conclusão negativa. Agora se reconhece que tal trabalho correlacional desinforma, porque não consegue distinguir entre os casos em que a política industrial é útil dos casos em que não é.

Pesquisas mais recentes usam técnicas modernas de estatísticas para evitar inferências enganosas. Tais técnicas vêm sendo aplicadas a uma grande variedade de casos, inclusive episódios históricos de promoção de setores nascentes (como os setores têxtil, de construção de navios e construção pesada); pesquisas públicas de grande escala e esforços de desenvolvimento (como na “corrida espacial” entre os Estados Unidos e a União Soviética); e políticas seletivas baseadas em regiões e com foco em empresas ou setores específicos (como o impulso de produção americano durante a Segunda Guerra Mundial e os subsídios europeus regionais contemporâneos). 

Os resultados destes estudos são muito mais favoráveis à política industrial, tendendo a concluir que tais políticas - ou acidentes históricos que imitam os efeitos dela - em geral têm levado a efeitos de longo prazo grandes e aparentemente benéficos na estrutura da atividade econômica. Por exemplo, a interrupção das exportações francesas durante o bloqueio napoleônico estimulou a industrialização francesa na fiação mecanizada de algodão muito após o fim das guerras napoleônicas. Esses resultados são consistentes com as prováveis sugestões dos defensores de cultivar os setores nascentes.

Estudos sobre programas públicos recentes para subsidiar investimento em regiões atrasadas da Grã-Bretanha e Itália têm de modo semelhante identificado efeitos positivos robustos na criação de empregos. Embora esses estudos não possam oferecer uma resposta definitiva à questão de se a política industrial funciona de modo geral, eles são informativos quanto à predominância de deficiências do mercado na mira da política econômica e quanto aos efeitos de longo prazo da política econômica.

Estudos mais recentes também lançaram luz à controvérsia de longa data sobre a contribuição da política industrial ao milagre econômico do Leste Asiático. A literatura econômica inicial sobre a ascensão do Leste Asiático argumentava que políticas industriais eram ineficazes, no melhor dos casos. Novas análises que prestam mais atenção à estrutura de vínculos ascendentes e descendentes nessas economias chegam a conclusões consideravelmente mais otimistas.

Para citar um exemplo, estudos sobre a histórica - e controversa - política industrial Heavy-Chemical Industry Drive (HCI), buscada pelo presidente Park Chung-hee na década de 70, descobriu que a política promoveu o crescimento dos setores-alvo, tanto no curto quanto no longo prazo. Os efeitos da HCI no desempenho da produtividade e da exportação foram positivos.

Críticos das políticas econômicas do Leste Asiático imaginavam que os governos jamais conseguiriam escolher os setores certos porque não tinham informações sobre onde as deficiências de mercado eram mais visíveis. O economista de Princeton Ernest Liu ofereceu recentemente um guia útil para legisladores confrontados com uma economia em que imperfeições de mercado acontecem ao longo de setores múltiplos e associados. Em tais condições, subsidiar os setores ascendentes em geral minimiza os erros de política econômica. Liu mostra que políticas econômicas reais usadas na China e durante a HCI sul-coreana se alinhavam a essa orientação.

Recentemente, alguns comentaristas criticaram a política industrial do presidente americano, Joe Biden, por “não ter uma base econômica rigorosa”. A realidade é que já há uma série de bons estudos econômicos sobre política industrial. Ainda que mais pesquisas sejam sempre benéficas, a literatura recente já nos proporciona análises melhores de políticas industriais em toda sua diversidade, avaliando as consequências de exemplos históricos e contemporâneos, além de iluminar como tais políticas funcionam ou fracassam dependendo de seus instrumentos e objetivos, e das estruturas econômicas predominantes.

Tradução por Fabrício Calado Moreira

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