delong225_sean gladwell_getty Images_us dollar Sean Gladwell/Getty Images

O canto de sereia da austeridade

BERKELEY – Há dez anos e dez meses, o presidente dos EUA, Barack Obama, anunciou no seu discurso sobre o Estado da União de 2010 que tinha chegado o momento da austeridade. “Por todo o país, as famílias estão a apertar o cinto e a tomar decisões difíceis”, explicou. “O governo federal deveria fazer o mesmo”. Demonstrando a sua intenção de congelar os gastos governamentais durante três anos, Obama alegava que, “tal como qualquer família com problemas de dinheiro, elaboraremos um orçamento para investirmos no que precisarmos e sacrificarmos no que não precisarmos”. Era tão grande a necessidade constatada de austeridade que ele prometeu mesmo “fazer cumprir esta disciplina mediante veto”, caso os congressistas Democratas pensassem de forma diferente.

Imediatamente a seguir a estas observações, que pareciam contradizer o bom senso económico, alguns membros da administração Obama tentaram convencer-me de que o presidente estava apenas a representar um Teatro Kabuki de Trivialidades (NdT: no original, “Dingbat Kabuki Theater”; a expressão “Dingbat Kabuki” foi cunhada pelo autor). O que isto implicava era que a administração continuaria evidentemente a utilizar a política fiscal para reduzir o desemprego, através de reduções fiscais e da despesa em rubricas que ficaram isentas do congelamento: “segurança nacional, Medicare, Medicaid e Segurança Social”.

Mas o teatro político pode ter um efeito poderoso sobre os debates políticos, por determinar quais os argumentos que granjeiam ou não granjeiam um consentimento amplo na esfera pública. Depois da crise financeira de 2008, eu e outros defendemos que, num ambiente de desemprego ainda elevado e de taxas de juro extremamente baixas, o custo de um endividamento e de uma despesa governamentais continuados seriam triviais, se comparados com os benefícios. Mas a retórica de Obama concedeu à austeridade o lustro bipartidário de que precisava para prevalecer.

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