badre18_krisanapong detraphiphat_getty images_accounting Krisanapong Detraphiphat/Getty Images

A próxima fronteira de empresas responsáveis

PARIS – A crise da COVID-19 revelou como todos os nossos principais desafios estão entrelaçados. A perda de biodiversidade e o aumento das desigualdades contribuíram para um desastre global de saúde pública e para a pior crise económica em quase um século.

Como costuma acontecer durante esses momentos, as pessoas estão repentinamente recetivas a mudanças que antes teriam rejeitado imediatamente. Por exemplo, há uma grande mudança em andamento no mundo empresarial, onde muitos administradores e investidores estão ansiosos para adotar práticas e modelos de negócios mais sustentáveis ​​e responsáveis.

A tarefa agora é garantir que esta nova mentalidade se torne viral. Como é que podemos garantir que todos as empresas estão no caminho certo, tendo em conta que permanecerão em dívida com as exigências e os interesses dos acionistas e investidores? Uma resposta óbvia é através dos padrões Ambientais, Sociais e de Governação (ASG). Mas os ASG oferecem apenas uma solução parcial. É precisamente por esta área estar agora em expansão que ela ficou concorrida e confusa, levando a reclamações sobre o “cansaço perante os relatórios de sustentabilidade”.

Felizmente, houve alguma consolidação recentemente, com os principais criadores de padrões ASG, como a Global Reporting Initiative e o Sustainability Accounting Standards Board, anunciando que trabalharão juntos. O seu objetivo não é criar um único padrão, mas sim “ajudar as partes interessadas a compreender melhor como é que os padrões podem ser utilizados ​​simultaneamente”.

Da mesma forma, no interesse da clareza, comparabilidade e consistência, o Conselho de Negócios Internacionais do Fórum Económico Mundial emitiu recentemente os “Parâmetros do Capitalismo de Partes Interessadas” que visam acelerar a convergência entre os principais organismos definidores de padrões privados. E a União Europeia lançou uma revisão da sua diretiva de relatórios não financeiros, que exige que as grandes empresas divulguem informações sobre como operam e gerem os desafios sociais e ambientais.

Tudo isto está bem e é bom. O setor de financiamento dos ASG está a crescer rapidamente e provavelmente continuará a expandir-se, agora que as empresas com reputação de terem práticas éticas e sustentáveis ​​estão a provar ser mais resilientes durante a crise da COVID-19. Mas este progresso pode ser prejudicado se os investidores não puderem comparar facilmente os conjuntos de divulgações ASG de diferentes empresas.

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O que precisamos, então, é de um conjunto de padrões ASG verdadeiramente globais com parâmetros claros e harmonizados e regras de divulgação. Isto não significa que seja preciso haver apenas um conjunto de padrões. Alguns padrões de relatórios fornecem mais informação do que outros; alguns focar-se-ão em tópicos que são importantes para a criação de valor empresarial; e alguns enfatizarão o impacto de uma empresa no mundo que a rodeia. Ainda haveria diferentes abordagens para os relatórios ASG, mas todas se apoiariam na mesma base.

Além disso, relatórios ASG claros são apenas uma parte do quebra-cabeças. As empresas também precisarão de complementar as divulgações de risco baseadas em ASG com parâmetros para avaliar o seu impacto no ambiente e na sociedade, relatando externalidades negativas e positivas. Dito de outra forma, temos de passar de uma cultura de declarações e intenções definidas para uma de resultados do mundo real, com base em avaliações de impacto.

Medir o impacto mais amplo de uma empresa é o primeiro passo em direção a uma contabilidade de empresas adequada. Indo além da produção imediata, esses parâmetros concentram-se em resultados mais amplos decorrentes do comportamento de uma empresa. Este tipo de estrutura incentiva os líderes empresariais a integrar os objetivos de impacto nas suas estratégias principais, acelerando assim a mudança do capital para investimentos responsáveis. Também facilita que os governos ajustem as políticas que afetam as atividades corporativas.

A contabilização do impacto é a melhor maneira de criar as condições equitativas que o capitalismo das partes interessadas exige. Reconhece formalmente o valor das decisões motivadas por preocupações em matéria de clima e biodiversidade. É responsável por questões de emprego, como igualdade de salários, benefícios, progressão na carreira e saúde e segurança ocupacionais. Incentiva as empresas a promover práticas sustentáveis ​​em todas as suas cadeias de abastecimento, o que pode gerar retornos, tornando-as mais resistentes a choques repentinos. E, por último, mas não menos importante, os parâmetros de impacto fáceis de entender são a chave para criar confiança com clientes, comunidades locais e todas as outras partes interessadas.

É claro que nem todas as empresas terão um impacto positivo no mundo. Em alguns setores, as medições de impacto serão consistentemente negativas. O objetivo é traçar uma linha entre as empresas que estejam verdadeiramente comprometidas com a maximização do seu impacto positivo líquido e aquelas que estão apenas a fazer publicidade enganosa, levando as pessoas a acreditar que estão a fazer mais para proteger o ambiente do que aquilo que realmente fazem (“greenwashing”). Se houver mais empresas a oferecer dados de impacto rigorosos, comprovados e transparentes aos investidores que estão a dar resposta às exigências dos clientes por investimentos responsáveis, os fluxos de capital ajustar-se-ão em conformidade, gerando efeitos em cadeia positivos o mais possível.

Uma questão final é se a contabilização do impacto pode funcionar como um complemento da contabilidade financeira. Afinal de contas, as medições de impacto são complexas e parecem apoiar-se em suposições que podem ser facilmente contestadas. No entanto, tal como observou John Maynard Keynes: “É melhor estar mais ou menos certo do que precisamente errado”. Além disso, não é como se os métodos de contabilidade financeira consagrados de hoje fossem perfeitos. Eles também estão meramente a estimar realidades económicas subjacentes. Não devemos esquivar-nos de procurar obter o mesmo tipo de aproximação sólida quando se trata de medir o impacto social e ambiental de uma empresa.

Desde que os esforços para medir e monetizar o impacto começaram com um pequeno conjunto de parâmetros simples desenvolvidos pela OCDE (com base no trabalho da Business for Well-Being Initiative), surgiram estruturas mais avançadas e continuarão a evoluir e a expandir-se. Com uma contabilidade robusta do impacto de operações diretas, cadeias de abastecimento e avaliações ambientais e sociais de bens e serviços em vigor, os governos serão capazes de elaborar políticas para estimular o comportamento responsável e aumentar os custos de externalidades negativas, como as emissões de gases com efeito de estufa.

Os desafios são grandes, e governos e empresas têm de se unir para incorporar a contabilização do impacto como prática habitual. Um roteiro global poderia abranger questões-chave, como transparência e regras de divulgação, permitindo, por sua vez, um progresso mais rápido em direção a parâmetros comuns e uma metodologia partilhada que poderia alinhar os interesses de empresas, investidores e governos em torno dos principais desafios do nosso tempo. Uma nova fronteira de empresas responsáveis aguarda-nos.

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