juels1_Anthony KwanGetty Images_bitcoin Anthony Kwan/Getty Images

Qual o destino da Cripto?

NOVA YORK/ITHACA – A vertiginosa queda de Sam Bankman-Fried, o desafortunado fundador da bolsa de criptomoedas FTX e que recentemente foi condenado por fraude e lavagem de dinheiro em Nova Iorque, lançou uma severa luz sobre um mercado em grande parte não regulamentado. Apesar de todas as  supostas maravilhas da tecnologia blockchain que sustenta as criptomoedas, os eventos que  ganharam as manchetes dos últimos anos apontam para uma indústria em turbulência.

Além da atividade criminosa que levou ao espetacular colapso da FTXem 2022 e ao veredito de culpa a Bankman-Fried no início de novembro, os reguladores dos EUA processarama Binance, a maior bolsa de criptografia do mundo, por supostamente operar uma “rede de mentiras”. Um acerto de contas em todo o setor se aproxima. A criptografia será sempre um ímã para fraudes e prevaricações, ou poderá  finalmente transformar e democratizar as finanças?

Surgiu um paradoxo cada vez mais óbvio. Satoshi Nakamoto, pseudônimo da pessoa que criou o Bitcoin, propôs a ideia de uma versão puramente ponto-a-ponto do dinheiro eletrônico após a crise financeira global de 2008, quando a confiança nos governos e nos bancos centrais atingira seu ponto mais baixo. Logo após o lançamento do Bitcoin em 2009, Nakamoto escreveu que “a raiz do problema da moeda convencional é toda a confiança necessária para fazê-la funcionar”. Hoje, o sistema que deveria eliminar a necessidade de confiança entre as pessoas e as instituições financeiras tradicionais está passando exatamente por uma crise de confiança.

Criptomoedas como Bitcoin e Ethereum dependem de códigos de computador e redes que não são controladas ou gerenciadas por uma entidade central. Notavelmente, essa descentralização funciona. As transações podem ser concluídas de maneira segura, sem depender de banco, administradora de cartão de crédito ou outra instituição. Em princípio, isto deveria tornar os sistemas financeiros menos vulneráveis ​​à fraude e à manipulação.

Infelizmente, golpistas e empresas sem escrúpulos têm explorado clientes e investidores encantados pela nova tecnologia e, no processo, obscureceram a inovação mais convincente da criptografia: ferramentas habilitadas para blockchain que podem melhorar a transparência e fortalecer a confiabilidade do setor financeiro. Mantidos em computadores em todo o mundo e acessíveis publicamente a qualquer pessoa com conexão à Internet, os blockchains são registros  digitais que carregam um histórico imutável de todas as transações em um sistema. A sua dependência de algoritmos, em vez da interação humana, cria um robusto rastro monetário que falta à infraestrutura financeira tradicional.

Então, como acabamos com uma indústria de criptografia que muitas vezes contradiz sua ética fundamental? Uma resposta é que qualquer inovação inevitavelmente atrai a mania especulativa e a trapaça, especialmente nas fases iniciais do seu desenvolvimento. No século 19, os bancos  enganaram fiscais ao preencherem as reservas de ouro com pregos. Mais recentemente, a era pontocom deu-nos empresas como a Enron, enquanto um boom da biotecnologia nos trouxe Elizabeth Holmes e a Theranos.

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Outro problema é que as plataformas da indústria voltadas para o consumidor simplesmente enxertaram antigos métodos de fazer negócios numa tecnologia concebida especificamente para eliminá-los. Por exemplo, embora a FTX fosse uma “bolsa” – uma porta de entrada para criptomoedas alimentadas por blockchain – ela não fazia uso fundamental de tecnologias descentralizadas. Ironicamente, a maioria dos detentores de criptomoedas hoje armazenam seus ativos em bolsas que exigem altos níveis de confiança e acarretam muitos dos riscos às tradicionais instituições financeiras.

Nos bastidores, a indústria criptográfica começou a usar a tecnologia para retomar o equilíbrio para a inovação. Um exemplo é o desenvolvimento da comprovação de reservas, um método de base matemática que permite às instituições verificarem  seus criptoativos. Essas ferramentas poderiam ajudar a evitar desastres como o da FTX, onde a falta de transparência permitiu a Bankman-Fried ocultar fraudes financeiras.

É importante ressaltar que a comprovação de reservas e ferramentas semelhantes funcionam melhor para criptomoedas e não para ativos financeiros comuns – incluindo o dólar americano. Esses avanços técnicos levaram, portanto, as instituições financeiras tradicionais – aquelas mesmas que o Bitcoin procurou substituir – a adotarem a criptografia. O JPMorgan, por exemplo, tem planos de transferir  trilhões de dólares  em valor para a blockchain, enquanto  autoridades monetárias estão explorando moedas digitais do banco central, o que envolveria a utilização da tecnologia blockchain para emitir versões digitais das suas moedas fiduciárias.

Na verdade, a indústria criptográfica enfrenta vários desafios assustadores: a grande pegada ambiental da mineração de Bitcoin, a sua utilização para transações ilícitas, falhas de privacidade, e muito mais. Mas, como sugere a comprovação de reservas, a comunidade criptográfica está inovando em novas formas poderosas de aproveitar a transparência e confiabilidade inerentes à tecnologia blockchain para criar um ecossistema financeiro mais seguro e flexível.

À medida que estas inovações avançam, governos de todo o mundo estão explorando formas de proteger consumidores dos excessos da indústria criptográfica. Fariam bem em ignorar as manchetes e procurar uma abordagem equilibrada que permita que esta notável tecnologia prospere.

Tradução de Anna Maria Dalle Luche, Brazil

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